quarta-feira, 3 de junho de 2009

Cidadania e Ecocidadania

Cidadania e Ecocidadania
Arthur Soffiati
Durante cerca de sete milhões anos, a humanidade, com todas as espécies que a compõem e até o momento conhecidas, viveu em grupos nômades de caçadores, pescadores e coletores em equilíbrio com a natureza, da qual se sentiam parte inseparável. Não havia desigualdades nem injustiças sociais. Esses indivíduos eram cidadãos, mas desconheciam este conceito e não precisavam se intitular como tal.
O advento das cidades, em torno de 3.200 anos A.C., ensejou a constituição de sociedades estruturadas em classes hierarquizadas. Nasceram, assim, as desigualdades e as injustiças sociais. Os pobres tornaram-se inferiores e escravos, servindo aos poderosos.
Na cidade grega de Atenas, no século V A.C., houve a primeira experiência de democracia e de cidadania. No entanto, cidadãos eram apenas os homens adultos nascidos em Atenas. Mulheres, estrangeiros e escravos estavam excluídos. No Império Romano, os homens livres de todas as etnias tornaram-se cidadãos no século III D.C. Toynbee informa que "... No curso de séculos, o processo de concessão de direitos continuou, e após a promulgação do decreto do Imperador Caracala, a Constitutio Antoniniana, no A.D. 212, pouco foram os povos do mundo helênico a oeste da fronteira oriental do império romano da época que não tiveram cidadania romana nas condições mais favoráveis possíveis." Mesmo assim, mulheres e escravos - que representavam a grande maioria - estavam excluídos.
Durante a Europa medieval, a sociedade de ordens distinguia clero, nobreza e servos, sendo que estes últimos sustentavam com seu trabalho as outras duas classes. Com o Estado Absolutista, entre os séculos XV e XVIII, havia o rei, o clero e a nobreza, de um lado, e os súditos, de outro, obrigados a pagar impostos e com reduzidos direitos.
A idéia de cidadania começou a se esboçar com o pensamento liberal dos séculos XVII e XVIII, consolidada com as Revoluções Inglesa e Francesa. Escreveu-se muito sobre o contrato social, pelo qual os seres humanos criavam a sociedade civil e o governo. A natureza não-humana estava excluída e continuava presa de guerra dos humanos.
Lentamente, então, os direitos dos cidadãos avançaram. Primeiro, houve a conquista dos direitos civis. Durante todo o século XIX, a conquista dos direitos políticos e, no século XX, a conquista dos direitos sociais. Estes, agora, começam a ser subtraídos da população pelo chamado Estado neoliberal.
A crise ambiental da atualidade, a primeira crise ao mesmo tempo planetária e antrópica, coloca-nos no limiar de uma nova era. Não mais podemos pensar em cidadania como um direito restrito aos seres humanos. Os problemas exigem da humanidade uma nova postura em relação a si mesma e à natureza não-humana. Esta postura pode ser chamada de ecocidadania.
Ser ecocidadão implica em: 1- Trabalhar para que todos os humanos tenham direitos civis, políticos e sociais. 2- Respeitar a individualidade, a diferença e a subjetividade do outro, seja ele quem for. 3- Batalhar para a construção da democracia, respeitando as diferenças culturais. 4- Respeitar a diversidade cultural dos povos, assegurando, juntamente com eles, o direito de manter e perpetuar sua cultura. 5- Propugnar por um contrato natural em que os ecossistemas e os seres vivos tenham direito à vida e à perpetuação de suas respectivas espécies, buscando o ser humano inserir-se no contexto ecossistêmico. 6- Restaurar e revitalizar os ecossistemas para recuperar o equilíbrio perdido. 7- Empenhar-se na busca de uma nova aliança que assegure a todos os seres vivos e aos ecossistemas integridade, dignidade e direitos intrínsecos. 8- Cultivar a espiritualidade, mesmo que ela não perpasse as confissões religiosas existentes.
Como a cidadania clássica não foi alcançada ainda nos países do Mundo Sul, estando ameaçada inclusive nos países do Mundo Norte, a grande tarefa com a qual nos defrontamos é promover a ecocidadania, pois ela inclui a cidadania tradicional, conferindo-lhe uma nova feição.
Fonte: Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 21 de Novembro de 2004

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